segunda-feira, 11 de maio de 2009

Río Abajo

Uma preguiça sem fim tomava conta dela. Nos dois sentidos, mesmo. A possuía e dela cuidava. Uma segunda-feira vazia, uma fria manhã. Acordou e sentiu o cheiro de terra molhada. Pela janela viu a chuva cair, vontade louca de quedar. A cama é abrigo com o seu lençol e os quatro travesseiros; o devaneio de qualquer coisa é sempre abrigado pela sua mente. Não houve primeiro pensamento quando acordou, apenas conclusões: respiro, hoje é segunda, lá fora chove. Um chamado ecoava pela casa. Era ela mesma chamando sua avó. A preguiça era tamanha para se levantar e pegar o telefone no quarto ao lado. Há aula neste dia chuvoso. Poderia ser manhã de domingo, não? Mas não é. Havia o banho, havia o almoço, mas havia a sua cama. Não há preguiça para responsabilidades. Houve o banho, houve o almoço, houve a vontade de ficar, mas não houve a coragem. O dia merecia uma boa poesia. Na verdade, era ela quem precisava. Olhou para a mesa e não pensou uma vez sequer: Neftalí Reyes. Era ele. Era aquele. O rio invisível que corta a sua vida, rio cujas vertentes até podem ser sentidas. Saiu. Pensou no transporte que não vinha, nos amigos que lhe importam, no atraso que sucederia, na vida que se segue. Obrigada, meu Deus, posso andar. Lembrou que o livro estava na pasta, mas preferiu não ler. Esperava por um momento. Não o certo, mas o esperava. Permitiu-se escrever um texto, não quis arriscar o acaso de uma página daquele livro. O caso é perigoso demais. Sua vida, pelo menos neste dia, estava pacata. Os perigos só existem fora de seu corpo, com a velocidade da brisa, a distância de uma nuvem para a outra, o barulho automotivo. O receio do não. A simplicidade do sim. A incerteza do talvez. Talvez devesse abrir o livro, talvez devesse deixá-lo permanecer fechado. Mas só talvez. Ela gostaria de ouvir o que aquele chileno tinha para lhe contar. Abriu o livro e havia na página aberta um último verso: Irmão, sem que tu saibas, chegará a morte... Não poderia ser visto verso mais fugaz. Sua melancolia transparecia no seu mau humor. Nada estava errado, nada estava certo. Era por isso que carregava um invisível rio em suas veias...

3 comentários:

Alisson da Hora disse...

"Vontade louca de quedar"... que imagem maravilhosa!Me deu uma "egípcia" hoje, hem? Você e Juliana! ahahaha

besos

Bruna disse...

Uma preguiça sem fim tomava conta dela. Fico na cama ou não? Tá quentinho... Agradável. Bem, as responsabilidades não esperam. Ela, sim (às favas com o resto).

Desabafo Literário disse...

e é olhando teu blog hoje que eu vejo como faz tempo que eu não passo por aqui. :O
o consolo é que ele continua ótimo de ler..