sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Recifictícia


            Era Dezembro.
            Chovia, chovia e chovia.
            Há muito tempo Recife não suava desse jeito.
            Os ambulantes vendendo botes na Praça do Derby. Seu Jerônimo nadando contra a corrente em plena Caxangá e gritando para os 6 cantos do Recife aquilo que o poeta já previa: o sertão, finalmente, vai virar mar. Recife era, mesmo, a capital do Mundo.
            O título de Veneza Brasileira já não servia para encher de orgulho o peito do povo. Éramos, agora, o leste que antes nos banhava: éramos o próprio mar de Atlas. Rios, açudes, mangues e lagos se confundiam. Onde se banhavam, agora, as capivaras?
            A enchente, ou melhor dizendo, a cheia chegava mansa. E estava vindo. Nem o Alto Treze de Maio se salvaria. Só aqui para acontecer uma coisa como essa – muitos diziam, assustados, dentro de suas casas. Era a nossa mania de exclusividade falando mais alto.   
            Dona Nevinha, agarrada ao seu pé de romã, acreditava piamente que seu marido era o Noé da Nova Era. Comia romãs e guardava as sementes porque queria que a fruta sagrada fizesse parte do Novo Mundo. Queríamos a todo custo ser a -Gênese- do mundo.
            Até que a cheia, vindo como chegava, chegou. Carregando escadas, palcos, batentes, degraus. E nós? Nós – não se sabe. Viramos pombos. E fomos viver na Nova Roma. Ou, quem sabe, na nova Nova Roma.
A Mauricéia Desvairada.