segunda-feira, 26 de julho de 2010

802

Não esperei o elevador chegar. Subi os dois andares até chegar ao apartamento da minha melhor amiga. Sim. Porque nessas horas só os melhores amigos cometem loucuras conosco. Nem toquei a campainha, já fui metendo a mão na maçaneta, desesperada para entrar. Ela me olhou com certo espanto, puxou uma cadeira para que eu sentasse e foi até a cozinha pegar um copo d'água. Não sentei, não bebi. Apenas disse, com o fôlego que me restava "Vem comigo!". Sem perguntar nada, ela pôs o vestido que estava em cima da cama e pegamos o elevador. Já perto da saída do prédio, ela disse "Direita ou esquerda?". Num conflito comigo mesma, apenas virei para a esquerda, e seguimos. Essa agonia toda já estava me deixando tonta. Eu não comia há 3 dias e ela sabia disso.

- Eu não acredito que tu vai até a casa de Gustavo agora. Pra falar o quê? HEIN? Hein, Mariana, responde!
- Se for o caso, ele vai ouvir até o meu silêncio.
- Isso é loucura, Mari! Ele sequer vai abrir a porta pra falar com a gente, quer dizer, contigo.
- A gente arromba!
- A gente o quê?! Amiga, tu não tá bem, é melhor voltarmos. Tu dorme lá em casa e mais tarde a gente vê o que é que faz.
- Não. Tem que ser hoje. Aquela sinházinha tá lá, tenho certeza! Ai, Carol, ele não sabe com quem mexeu...
- Eu tenho medo quando tu diz isso...

O porteiro acenou para nós duas. Como já nos conhecia, nem interfonou para o 802. Achei a chave, mesmo naquele corredor tomado por uma escuridão fria. Gustavo pagaria por toda a finita felicidade que já havia me dado. E por todo o infinito sofrimento, também. Carol pedia cautelosamente para que eu pusesse um bilhete debaixo da porta, deixasse algum recado com o porteiro ou que saíssemos de lá sem fazer nada. Mas não. O relógio marcava 3h30min e eu não estava nem um pouco a fim de perder a viagem. Nem a minha, nem a dele, ou a de quem quer que estivesse ali, dentro dos 200m². Abri a porta e pedi para que Carol sentasse no sofá - queria poupá-la de certas cenas. Caminhei passos curtos até o quarto dele. Fiquei encostada na porta, sentindo o cheiro de suor que exalava daquela cama nojenta. Eu tinha nojo, puro nojo. Não do cheiro, mas dos dois. Tirei a arma da bolsa, bati na porta e, antes que ele gritasse meu nome, eu disse, bem baixinho, quase susurrando, "Morram, miseráveis!". Cinco tiros foram o suficiente para os dois. Da sala, ouvi Carol gritar o nome de Deus seguido do meu. "Meu Deus, Mariana! Meu Deus!". O Deus pelo qual ela chamava talvez fosse o mesmo pelo qual eu chamei quando Gustavo matou Lucas, meu amigo, um irmão.

Um comentário:

Alisson da Hora disse...

Tá inspirada, hem fia? muito bom mesmo... e depois fica fazendo doce, dizendo que não sabe escrever...

=**